Hoje eu tava no orkut, fuçando a comunidade de ex alunos do IAP (IAP é o Instituto Adventista Paranaense, onde estudei e morei por alguns anos, no início da minha adolescência) e olhando as pessoas da comunidade, prá ver se achava algum amigo com quem perdi contato.
Fuçando lá, achei a Betinha. Cara, como eu pude esquecer da Betinha?
Estudamos na mesma sala (oitava série) em 99, e no ano seguinte caímos em salas diferentes de 1° ano. No fim de 2000 ela foi embora e eu fiquei.
Não éramos amigas em 99. Também não nos odiávamos, mas a gente não tinha afinidade. A gente não conversava, só "oi", "estudou prá prova?", enfim, uma convivência pacífica mas indiferente.
Só que no meio de 2000 a Cris, melhor amiga da Betinha, foi morar no meu quarto, após a moça que morava comigo ficar grávida e ser expulsa.
E algum tempo depois a Cris chamou a Betinha clandestinamente prá dormir no nosso quarto uma noite (era proibido. Mas quem liga, né?). Foi aí que eu conversei com a Betinha.
Não sei como chegamos ao assunto, mas a Betinha contou prá gente que morava com os tios. E contou a história dela prá gente.

O caso foi o seguinte: a Betinha tinha um irmão 5 anos mais velho e dois irmãos novos de mais ou menos seis anos. Moravam os quatro com os pais, normal.
O irmão mais velho da Betinha não era muito saudável. Ela contou que, quando era criança, lembrava que ele fazia coisas na frente dela que faziam ela se sentir desconfortável. É aquele tipo de coisa que você só compreende o que é quando deixa de ser criança, sabe? E ela falou que também lembrava que ele tinha umas discussões violentas com os pais.
Aí, quando ela tinha uns 12 anos, eles -os pais e o irmão mais velho- estavam brigando muito. E ela foi dormir na casa de uma amiga, portanto, ela soube o que aconteceu pela polícia.
Nesse dia que ela não tava, o irmão dela chegou da rua no meio da tarde. Chegou pela cozinha, os pais tavam vendo TV na sala e não ouviram ele chegar. O menino foi no quarto, viu os dois irmãos mais novos dormindo, viu que a Betinha não tava em casa ainda e saiu pro quintal de novo. Lá fora ele pegou uma machadinha e entrou em casa de novo.
Disseram que o pai dela nem viu o que acertou ele. Uma machadada na cabeça e ele morreu na hora. Aí a mãe dela levantou e tentou lutar, e foi aí que os dois irmãozinhos menores acordaram e foram obrigados a assistir tudinho da porta do quarto. Parece que ela levou várias machadadas nos braços, mas o que matou ela foram as duas na cabeça. Pior? Ela não morreu na hora.
Depois que ela caiu, o mais velho falou "tchau" pros irmãos e foi embora. A mãe deles ainda tava consciente, chamou os dois e ficou falando que os amava e que era prá eles terem cuidado etc etc etc.
A Betinha falou "O meu irmãozinho só falou disso uma vez, ano passado. A gente nem sabia que ela não tinha morrido na hora".

Agora, imagina que coisa mais freak: você sai de casa numa boa e volta prá encontrar seus dois irmãos em choque, trancados no banheiro e o cadáver dos seus pais na sala, com a cabeça aberta e pedaço de crânio prá todo lado.
Eu não sei de vocês, mas eu ficaria pirada.

Eu perguntei "nossa... como você reagiu?" e ela falou "ah, normal... liguei pros meus avós e eles chamaram a polícia. Só".
Depois que a Betinha dormiu, a Cris falou "normal? eu conheci a prima da Betinha ano passado. Ela me falou que a Betinha ficou gritando em pânico e chorando por mais de três horas, depois que a polícia falou que eles morreram e que tinha sido o irmão mais velho dela quem fez isso. Não que ela não soubesse disso quando viu, mas só foi cair a ficha quando falaram prá ela"

A Betinha tava no internato por causa disso. O irmão dela ficou só alguns meses detido (ele tinha 17 anos quando fez isso) e depois foi solto. Tava todo mundo com medo que ele fizesse algo com os irmãos. Os mais novos ficaram com os tios e a Betinha foi pro internato com bolsa integral, que ia pesar menos no orçamento.

Depois que ela foi embora, nunca mais nos vimos nem nos falamos. Mas caralho... puta história trágica a dela.
Acho que nunca vou esquecer. Parece tão empolgante quando essas histórias assim são de filme, ou de livro... ou até mesmo no Linha Direta. Mas quando aconteceu com alguém que tá do seu lado, ali, contando em primeira pessoa... a realidade se choca contra sua cabeça que nem um balde de gelo.
Nem sempre a vida é um cabaret...